Meu querido Vale do Tua, havemos de cá voltar

Uma viagem iluminada pelas estrelas, mesmo como o céu nublado. Assim é o Vale do Tua, terra de luz, de intensidade, propícia para ser sentida e explorada.

Com: Ana Fragoso

Chegamos ao concelho a Murça num final de dia escuro e zangado. O céu avermelhado, de repente ficou carregado de nuvens ameaçadoras, que anunciavam uma tormenta. Saímos do carro e o que vimos foi um fenómeno natural impressionante: no meio da ira do céu escuro, o arco iris rasgava as nuvens negras e pintava um pedaço do horizonte de todas as cores. Só podia ser um bom agouro para esta viagem que fizemos a convite do Parque Natural Regional do Vale do Tua (PNRVT), em meados de junho.

O arco íris rasga a escuridão do céu

Estávamos às portas das Caves de Murça. No interior, corredores de pipas guardavam os excelentes vinhos deste concelho, integrado na Região Demarcada do Douro.

O arco iris era, efetivamente, um bom agouro, provamos o vinho, um verdadeiro néctar dos deuses.

Caves de Murça

Pouco tempo depois a tormenta esparramou-se sobre nós, cruzes credo, estava definitivamente afastada a possibilidade a experiência que mais expectantes estávamos para realizar: a observação das estrelas.

O PNRVT conseguiu certificação de “Destino Turístico Starlight” para os cinco concelhos do Vale do Tua (Alijó, Carrazeda de Ansiães, Mirandela, Murça e Vila Flor) e nessa noite íamos observar as estrelas no Castro de Palheiros, em Murça. O PNRVT tinha trazido especialistas para nos ajudar na interpretação estrelar, Miguel Claro, reputado astrofotógrafo, e Apolónia Rodrigues, presidente da Associação Dark Sky Alqueva.

Que tristeza.

Mas, sempre que há orgulho, criatividade e vontade, a magia acontece. Miguel Claro improvisou uma exposição na Porta de Entrada do PNRVT, e num espaço fechado vimos o céu do Tua, com toda a sua imensidão, vimos as cores e o brilho das estrelas, vimos imagens tão belas, tão mágicas que guardamos no nosso coração uma certeza: havemos de voltar.

O Birdwatching é o novo “produto turístico” do PNRVT

A manhã seguinte acordou ligeiramente mais simpática, e permitiu-se realizar, como previsto outra atividade que é também um dos produtos âncora do Vale do Tua: o Birdwatching.

Começamos pela localidade de Frechas, em Mirandela. Em pouco mais de uma hora o ornitólogo que nos acompanhava observou e identificou mais de duas dezenas de aves. Na área do PNRVT estão identificadas mais de 160 aves diferentes.

Barragem do Peneireiro, Vila Flor

A olho nu podíamos ver como se alimentam do rio. A escuta atenta complementava os sinais de presença de muitas aves no local, o cântico dos pássaros misturava-se com o barulho do rio e uma pequena queda de água de uma represa. Ao lado a praia fluvial, com áreas verdes muito cuidadas e um velho moinho a água, faziam o quadro perfeito.

Seguimos para o município de Vila Flor, com a bênção da Senhora da Assunção, cujo santuário avistamos pelo caminho. Neste santuário mariano acontece uma das maiores romarias de Trás-os-Montes. Não fosse a COVID e o dia 15 de agosto, dia da festa, estaríamos novamente por estas terras.

Paramos no Complexo Turístico do Peneireiro, junto à barragem, novamente para apreciar a fauna local.

Quanto estrago fez esta pandemia que ainda nos assola e assusta. Um dos maiores e mais frequentados parques de campismo do território estava de portões fechados, com muito pesar do autarca local e ainda mais das dezenas de campistas que tradicionalmente aqui veraneavam.

As piscinas, reconstruídas, vão reabrir, mas com sistema de contagem de entradas, porque não se podem correr riscos e a lotação do espaço tem de ser limitada, também aqui.

No centro de Vila Flor matamos um pouco as saudades de casa. Imponente, uma escultura da Rainha Santa Isabel, padroeira de Coimbra, assumia total centralidade naquela que é a praça central da vila.

Rainha Santa Isabel, Vila Flor

À entrada da Vila está Dom Dinis, duas figuras veneradas por estas terras. Originalmente esta terra tinha a designação de Póvoa de Além Sabor. Um dia foi visitada por Dom Dinis e nesse dia a comunidade encheu as ruas de flores de liz, que emanavam o seu delicioso perfume e apaixonaram o Rei. “Vila Flor de Liz” assim rebatizou o monarca esta terra.

Caminhamos sobre carris em Foz Tua

Seguimos viagem para o município de Carrazeda de Ansiães. Esperava-nos uma caminhada, por um dos 12 Percursos Pedestres homologados do PNRVT.

Por momentos achamos que seria um momento de grande esforço, até porque os nossos guias, Domingos Pires e João Neves, da empresa PORTUGALNTN, sempre nos colocam grandes desafios, querendo que “superemos os nossos limites”.

Na nossa anterior viagem ao Tua fizemos o Trilho das Fragas Más, em Alijó, caminhamos horas, sempre acompanhados por uma paisagem espetacular, mas na fase final já nos arrastávamos um bocadinho.

Desta vez era um Trilho para preguiçosos.  O Trilho Foz Tua tem uma distância de apenas 3,5 km que demora menos de uma hora a percorrer. Foi neste trilho que podemos caminhar sobre a antiga linha de caminho de ferro, trave após trave, até chegar ao miradouro que nos permite apreciar a barragem do Tua e a tão falada Central Hidrelétrica projetada por Souto Moura, que ficou quase na totalidade soterrada, para minimizar o impacto na paisagem.

Trilho de Foz Tua, Carrazeda de Ansiães

O passeio termina com chave de ouro, com um fantástico lanche na “Casa dos Cantoneiros Wine House”. Neste espaço o município de Carrazeda de Ansiães, expõe e vende todas as referências de vinhos produzidos no município.

Fomos ao Ujo e não queríamos regressar

Lá estava ele, o varandim, suspenso sobre a encosta do rio Tua, que nos coloca num patamar que em que temos a sensação que podemos tocar o céu.

É o Miradouro do Ujo, o local provavelmente mais fotografado do Vale do Tua, pela espetacularidade da paisagem.

Quando regressarmos ao Tua talvez este seja um bom local para observarmos as estrelas.

Aguardamos pela nossa vez para a monumental foto. Tiramos a foto, mas o nosso olhar, que corria sem freios pelas águas do rio, recusava-se a largar aquele lugar.

Este é o lugar que dá sentido à palavra contemplação, tal é o absorvimento que nos desencadeia.

Miradouro do Ujo, Alijó

A viagem de barco mais esperada, do Douro ao Tua

O Pinhão é uma das localidades mais conhecidas na região do Douro, pela quantidade de barcos, vindos do Porto, que ali amarram.

Mas há rio além do Pinhão, há um rio que nos leva até ao Tua, numa viagem tranquila e prazerosa, com uma paisagem cheia de socalcos, onde se cultivam as vinhas que formam as grandes Casas do Douro, as grandes Quintas, produtoras do Vinho do Porto.

Em menos de uma hora chegamos ao Tua e a paisagem nunca, em nenhum momento, perde beleza ou interesse. De quando em vez cruzamo-nos com outro barco rebelo que desce o rio enquanto nós subimos.

Viagem de barco, do Pinhão ao Tua

Chegamos ao cais de Foz-Tua e aqui a viagem poderia começar outra vez.

O Centro Interpretativo do Vale do Tua conta-nos a história do Vale, do Comboio e da Barragem, a Porta de Entrada no PNRVT de Carrazeda de Ansiães, dá-nos as dicas essenciais para visitar outra e outra vez este vale de tantos encantos e tantos motivos de interesse.

Já vos dissemos que havemos de voltar?

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